terça-feira, 29 de março de 2016

Quarenta dias: a experiência de um penitente iniciante





“Dias virão, contudo, em que lhes será tirado o Noivo;

e, nesse tempo, jejuarão”

S. Marcos, 4.20



Neste ano, pela primeira vez, assumi o firme propósito de observar o tempo da Quaresma. Não, não sou católico-romano. Pela graça do bom Deus, sou a quarta geração de presbiterianos da minha família. Se para você um protestante observando a Quaresma soar um tanto quanto esquisito, sugiro a leitura deste artigo (colocar link: http://reformedfaith.blogspot.com.br/2015/02/reflexoes-sobre-quaresma-sob-uma.html) do meu confrade Alla Gallo Antonio. Como eu dizia, neste ano, pela primeira vez, assumi o firme propósito de observar o tempo da Quaresma. Tomada a decisão, comuniquei-a à minha esposa, a qual, como verdadeira “auxiliadora idônea” (Gn 2.18), voluntariamente assumiu o mesmo propósito que eu.

Nestes quarenta dias escolhi algumas abstinências dietéticas, bem como a renúncia a alguns confortos e distrações; gastei mais tempo com as minhas devoções particulares e procurei detectar onde e como eu poderia melhorar como cristão, marido e pai. Tal qual Jacó que, por amor à Raquel, laborando em prol do seu sogro, sentiu que os anos passaram-se como dias (Gn 29.20), assim poderia eu dizer que estes últimos quarenta dias passaram-se como se fossem algumas horas. Não quero afirmar, com isto, que o jejum tenha sido fácil; ou que o desejo pelas distrações e confortos voluntariamente renunciados não tenha sido intenso. Não obstante, esses quarenta dias foram de tal forma intensos e reveladores, que o seu transcurso se manifestou, pela assistência do Espírito Santo, graciosamente mais rápido do que o foi na realidade. O presente texto que o caro leitor tem agora diante dos olhos nasceu do desejo deste “penitente iniciante” de comunicar, em linhas bastante simples e práticas, um pouco da sua experiência com a observação da Quaresma.

Observando o tempo da Quaresma eu pude sentir-me em estreito contato com a tradição cristã. A observância de um período de jejum e conversão precedendo a celebração da Páscoa data do século IV da era cristã. Desde então, milhões e milhões de cristãos ao redor do orbe terrestre, de todas as partes do mundo, das mais diversas escolas e tradições cristãs reservaram dias específicos para buscarem, de modo especial, a face de Deus através do jejum, da oração e da leitura das Escrituras. Contemplando agora já o crepúsculo da estação quaresmal, saio da mesma feliz por sentir em maior contato com a nossa bimilenar tradição cristã.

Observando o tempo da Quaresma eu pude constatar a importância de, e a capacidade que o Senhor nos confere, para subjugarmos a nossa carne. As disciplinas física e espiritual às quais voluntariamente me submeti nestes quarenta dias me revelaram como o Senhor Jesus Cristo, de fato, socorre aqueles que são tentados (Hb 2.18); como o Espírito Santo deveras nos assiste em nossas fraquezas (Rm 8.26). Contemplando agora já o crepúsculo da estação quaresmal, saio da mesma fortalecido em meu homem interior, consciente de que realmente não há tentação permitida por Deus que esteja acima das nossas capacidades (1Co 10.13).
Observando o tempo da Quaresma eu pude constatar quanto tempo vinha desperdiçando com coisas triviais. O simples abandono de alguns hábitos, a moderação em algumas práticas, um pequeno sacrifício no tempo de sono... e eis que meu dia “ganhou” algumas horas. Tempo para os exercícios devocionais, tempo para reflexão, tempo para a família. A instrução apostólica para “remir o tempo” (Ef 5.16) ganhou, para mim, sentido e aplicação todo especiais nestas últimas semanas. Contemplando agora já o crepúsculo da estação quaresmal, saio da mesma decidido a consagrar melhor o tempo que o Senhor me tem dado sobre a terra.

Observando o tempo da Quaresma eu pude tornar-me mais consciente de toda a humilhação à qual voluntariamente se submeteu o Nosso Senhor Jesus Cristo enquanto esteve entre nós. Nos períodos em que eu sentia-me mais acossado pelo desejo de transgredir os votos que voluntariamente assumi, eu recordava o exemplo de Cristo, o qual, durante o seu ministério terreno, levou toda uma vida de renúncias, abstinências e sacrifícios. Longe de ser um mero ascetismo irracional e estéril, o período quaresmal foi para mim as lentes pelas quais pude enxergar quão pueris serão as minhas queixas por quaisquer dificuldades que eu venha a enfrentar, quão ínfimas serão todas as limitações com as quais eu venha a me deparar nesta vida; em comparação com o exemplo de Cristo, que “a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo” (Fp 2.7), quaisquer sofrimentos ou contrariedades que eu venha a enfrentar são nada, são “menos que nada, como um vácuo”. Contemplando agora já o crepúsculo da estação quaresmal, saio da mesma decidido a ter firmemente diante dos meus olhos o exemplo de renúncia e abnegação que nos deixou Nosso Senhor Jesus Cristo.

Este foi um singelo resumo da experiência que pude desfrutar ao término desta temporada de quarenta dias. Espero que este relato e o seu tom um tanto pessoal não sejam recebidos pelo caro leitor como presunção, pieguice, ou qualquer outra coisa do gênero. Se este texto tiver servido para despertar o seu interesse pela Quaresma, dar-me-ei por satisfeito em ter exposto – e me exposto – nestas linhas tão desajeitas, um pouco daquilo que o Espírito Santo trabalhou no meu coração nas últimas semanas.

Feliz Tempo de Páscoa a todos!

Christus vincit!