sexta-feira, 19 de outubro de 2012

O Batismo Infantil segundo a tradição Reformada

 



 
 
 
"Mas a Escritura nos conduz a um maior conhecimento da verdade. Porque é plenamente certo que a aliança que no passado Deus fez com Abraão, declarando-se seu Deus e da sua descendência, não se aplica menos aos cristãos hoje do que se aplicava antigamente ao povo de Israel; e esta palavra não se aplica menos aos cristãos do que no passado se aplicava aos pais do Antigo Testamento. Pois, de outro modo, ocorreria esta conseqüência: a vinda de Cristo teria diminuído a graça e a misericórdia de Deus - mas dizer ou pensar isto seria uma horrenda blasfêmia.

Outra coisa: assim como os filhos dos judeus eram chamados linhagem santa, porque eram herdeiros da aliança e eram separados dos filhos dos incrédulos e dos idólataras, assim também os filhos dos crentes são chamados santos, ainda que só o pai ou a mãe seja crente; e o testemunho da Escritura os distingue. Pois bem, depois que o Senhor estabeleceu esta aliança com Abraão, determinou que a mesma fosse selada nas crianças com o sacramento visível e externo. Que desculpa podemos dar para não testificarmos a aliança e não a selarmos hoje como se fazia naquele tempo? E não vale replicar dizendo que o Senhor não instituiu nenhum outro sacramento para testificar esta aliança, senão o sacramento da Circuncisão, que já foi abolido. É fácil responder a essa objeção. Basta dizer que o Senhor instituiu a Circuncisão naquele tempo para confirmar a sua aliança, e que, abolida a Circuncisão, continuou e continua sempre de pé a razão pela qual se deve confirmar a aliança, visto que ela atende tanto a nós como no passado aos judeus. E, portanto, devemos observar sempre o que temos em comum com eles, considerando também o que é semelhante e o que é diferente. A aliança é comum a nós e a eles, e o motivo para a sua confirmação é semelhante; a diferença consiste apenas nisto: eles tinham a Circuncisão para confirmá-la, nós hoje temos o Batismo para esse mesmo fim. De outro modo, a vinda de Cristo teria feito que a misericórdia de Deus se manifestasse menos sobre nós do que o fez para os judeus - se nos fosse tirado o testemunho que eles tinham para os seus filhos.

Se não se pode dizerisso sem fazer grave ultraje a Jesus Cristo, por intermédio de quem a bondade infinita do Senhor foi distribuída e manifestada mais ampla e ricamente que nunca sobre a terra, é necessário conceder que a graça de Deus mediante Jesus Cristo não deve ser mais oculta nem menos segura que o era sob as sombras ou figuras da Lei.

Por essa razão, o Senhor Jesus, querendo mostrar que veio a esse mundo para aumentar e multiplicar as graças de seu Pai, e não para diminuí-las ou restringi-las, recebeu e abraçou bondosamente as crianças que lhe foram apresentadas e repreendeu os seus apóstolos, que queriam impedi-las e procuravam afastar dele, sendo ele o único caminho de acesso aos céus, aqueles aos quais pertence o reino dos céus.

Primeira: mas alguém perguntará: que semelhança há entre esse abraço de Jesus e o Batismo? Porque a narrativa não diz que as crianças foram batizadas, mas somente que ele as abraçou e orou por elas. Se quisermos seguir fielmente o exemplo do Senhor, devemos orar pelas crianças, e não batizá-las, pois ele não as batizou.

Pois bem, devemos examinar a doutrina da Escritura melhor que essa gente, pois não foi alguma coisa leviana ou superficial que levou Jesus a querer que "os pequeninos" lhe fossem apresentados; ele mesmo acrescentou o motivo, dizendo: "Porque dos tais é o reino dos céus". E logo depois manifestou com atos a sua vontade, abraçando-os e orando por eles. Agora, se é razoável levar crianças a Jesus Cristo, por que não há de ser lícito recebê-las para o Batismo, que é o sinal exterior pelo qual Jesus Cristo nos declara a comunhão que temos com ele? Se o reino dos céus lhes pertence, como lhes negar o sinal que nos serve de ingresso na igreja, para que, como membros da igreja, sejamos declarados herdeiros do reino de Deus? Não seríamos maus em expulsar aqueles que o Senhor chama a si? Em negar-lhes o que ele lhes dá? Em fechar-lhes a porta quando Ele a abre para eles? E se a questão é separar do Batismo aquilo que Jesus Cristo fez, que é que devemos considerar maior e mais importante: o fato de que Jesus recebeu os pequeninos, impôs as mãos sobre eles, sinal de santificação, e orou por eles, demonstrando que eles lhe pertencem, ou que, pelo Batismo, testifiquemos que eles pertencem à sua aliança?

As outras astúcias e manobras sutis feitas como meio de escapar da passagem que estamos estudando são por demais frívolas. Claro, pois querer provar que as crianças eram já bem crescidas, visto que Jesus as chamou e lhes disse que viessem a ele é argumento que evidentemente repugna ao texto da Escritura, que se refere àquelas crianças chamando-as de "criancinhas de colo", que precisavam ser carregadas. Dessa forma, a palavra "vir" deve ser interpretada como "aproximar-se" simplesmente. Veja o leitor como os que teimam contra a verdade procuram em cada sílaba matéria para as suas evasivas!

Segunda objeção: afirmar que Jesus não disse que o reino dos céus pertence às crianças, mas aos que são semelhantes a elas, também é outra escapatória. É o que digo porque, se fosse assim, por que motivo o Senhor haveria de mostrar que desejava que as criancinhas se aproximassem dele? Quando ele diz "Deixai vir a mim os pequeninos", não há nada que seja mais certo que o fato de que ele fala de crianças na idade. E para dar a entender que o que faz é razoável, acrescenta: "Porque dos tais é o reino dos céus". Nisso as criancinhas na idade estão necessariamente incluídas. E devemos entender a expressão "dos tais" da seguinte maneira: as crianças e aos que são semelhantes a elas pertence o reino dos céus.

Terceira objeção: já não pode haver quem não enxergue que o Batismo infantil não foi forjado temerariamente pelos homens, pois tem evidente aprovação das Escrituras. E não nos impressiona a objeção feita por alguns, qual seja: não se pode mostrar pela Escritura que alguma criança foi batizada pelos apóstolos. Não nos impressiona essa objeção porque, mesmo admitindo a inexistência de algum texto que o demonstre expressamente, não quer dizer que os apóstolos não tenham batizado crianças, visto que elas não são excluídas quando se faz menção de Batismo aplicado a uma família. Se fôssemos aceitar esse falso argumento, não poderíamos permitir que as mulheres fossem admitidas à Ceia do Senhor, pois nunca se diz na Escritura que elas tenham comungado no tempo dos apóstolos. Mas neste ponto seguimos a regra de fé, pertinente no caso, só levando em conta se a instituição da Ceia lhes convém, e se é da intenção do Senhor que seja ministrada a elas. É o que também fazemos com relação ao Batismo, tendo em vista o seguinte: quando consideramos a finalidade para o qual ele foi ordenado e instituído, vemos que este sacramento não pertence menos às crianças que às pessoas de mais idade. Dessa forma, negar o Batismo às crianças seria fraudar a intenção do Senhor. E o que alguns semeiam é pura mentira, quando dizem que só muito tempo depois dos apóstolos é que se introduziu a prática do Batismo infantil. O fato é que não há nenhuma história antiga, desde o tempo da igreja primitiva, que não testifique que naquele tempo essa prática já estava em uso." (João Calvino, As Institutas da Religião Cristã, 4, XI, 32-35)

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